Monday, November 28, 2005

Carta para quem precisa de uma carta



Há coisas que a gente procura e nunca encontra na hora em que deseja. Fotos antigas que deveriam estar no álbum mas não estão.Livros que deveriam estar na estante mas, geralmente, não estão no lugar em que a gente pensa ter colocado, o cd preferido que deveria estar em sua caixa mas por algum motivo desconhecido no momento da procura ele não está onde deveria, um poema escrito em uma folha de caderno pra ser entregue e não hora de o entregar, onde está ele?
Há uma série de coisas que a gente não acha quando precisa, uma meia branca, uma camisa escura, o perfume preferido que não está onde você achava ter colocado, a sandália que você jura ter deixado bem ali hoje pela manhã...onde está ela? Desapareceram quando você mais procurava...
Outras duas coisas costumam sumir quando você pensa tê-las encontrado, são elas a hora exata e a palavra certa. Em verdade esperamos a hora certa pra dizer a alguém o quanto sentimos sua falta, o quanto essa pessoa é importante em nossa vida, ou então dizer a uma pessoa o quanto tentou esquecê-la durante as férias mas não conseguiu, que ao invés de esquecê-la, o pensamento nela ficou cada vez mais forte e a vontade de estar com ela crescia a cada dia, a gente peca por achar que nunca é o momento certo e por isso vive se reclamando da sorte, quando deveria se reclamar do medo de arriscar, a gente tem medo, mesmo, de admitir um erro, de pedir desculpas, de dar razão a alguém, uma lágrima é inadmissível, chorar a perda de um alguém querido, só se for no silêncio da noite, tudo isso por achar que essas coisas são um sinal de fraqueza e não de força, os valores têm se invertido com o passar dos tempos.
Fazer uma declaração de amor, mandar flores, criar ou copiar um poema, fazer algum tipo de loucura de amor, sem o menor uso da razão, como todo ato de loucura exige, tornou-se cada vez mais raro, as loucuras autênticas, aquelas que você não encomenda em nenhuma loja de conveniências ou então naqueles serviços de telemensagens ou outro tipo de serviço semelhante, o nosso medo e vergonha de arriscar dizer e fazer o que sente foi substituído pela clássica desculpa da falta de tempo, ou então pelo que agora chamam de praticidade.
Acredita-se que o lugar certo surja a partir da conjugação da hora exata e do dia certo pra se fazer alguma coisa, enquanto isso, segue-se adiando várias coisas, abortando-se várias histórias, por se achar que aquele momento não é o ideal, fiz uso dessas situações como contexto para começar hoje a fazer uma coisa que deveria ter feito há muito tempo atrás, mas como achava não ser a hora nem o momento certo da minha vida resolvi adiar e adiar e... adiar. Procurei durante muito tempo coragem para escrever uma carta, isso mesmo, uma simples carta, às vezes os gestos mais simples são os mais difíceis de se fazer, então hoje pela manhã alguma coisa me lembrou você, o engraçado é que eu sempre ignorei esse tipo de lembranças, pra ser sincero, sempre evitei tê-las.
Começo essa carta dizendo a você que estou bem, que eu tenho superado os meus problemas e passado por cima dos meus traumas, eu os tenho ignorado, que cresci e me fortaleci em meio ao esforço e a perseverança, que não desisti dos meus sonhos e não pretendo desistir jamais, que faço o tipo perseverante, que busca a perfeição a cada novo passo de minha vida. Hoje tenho 27 anos, estudo e trabalho, tenho uma vida boa, na medida do possível, mas não estou satisfeito com ela, não estamos nunca satisfeitos com nada, acho que a insatisfação é o motor do mundo, assim como o inconformismo. Às vezes extrapolo nas contas, mas nada que me faça ir para o spc.
Tenho poucos amigos, mas estes me são suficientes, tenho muitos amores platônicos e alguns reais, nada de muito excepcional, gosto de acampar e do contato com a natureza, gosto da proximidade com a realidade que a vida nas ruas nos propicia.
Dizem que pareço muito com você, as pessoas me falam que o meu modo de comer, é muito semelhante ao seu, o meu jeito de conversar gesticulando, a maneira como ando, meio desengonçado, o que faz de mim um péssimo dançarino, fazer o quê? Vida que segue!
Dizem que tudo em mim lembra muito você, que sou uma extensão daquele quadro na parede, que assim como voce eu também sou muito sério, mas só aparentemente, pois na realidade adoramos tirar um sorriso de quem esteja ao nosso redor.
Dizem que herdei muito do seu caráter, dizem que voce colocava a ética acima de sua vida e do seu amor, nesse ponto preciso concordar, procuro ser correto e ético comigo e com os que estão ao meu redor, embora saiba que isso implica em grandes perdas e dificuldades, minha mãe fala que voce tinha um belo sorriso e esse foi um dos fatores que a fizeram se sentir atraída por ele, isso e sua voz, assim como voce eu também não tenho muitos recursos visuais para atrair as pessoas, discordo quando dizem que os nossos sorrisos são iguais, só se forem no fato de serem espalhafatosos.
Ela diz que voce não gostava muito de ler, mas que adorava ouvir música e tocar violão, ela diz que adorava ouvir voce tocar qualquer coisa de Raul Seixas, relembra nostálgica que voce sempre tocava a musica a hora do trem partir ou então coisas do coração e cachorro – urubu, ela me conta com um sorriso maroto que muitas vezes provocava discussões só pra você cantar pra ela, dizem que você fazia o tipo roqueiro, calça jeans desbotada, cabelos longos e cavanhaque, era tido como rebelde, que se sentia mal em ver toda aquela droga em que o mundo estava se transformando, em um dos poucos livros que voce leu, Adorável Mundo Novo, de Aldous Huxley, minha mãe diz que o livro causou-lhe grande impacto, que a cada capitulo lido se perguntava como alguém pode ter imaginado uma sociedade assim? Eu complemento: como possível desenha tão bem a nossa sociedade? Nem Deus foi capaz.
Voce gostava dos Beatles, dos Roling Stones, Joy Divion, mutantes, Chico Buarque, etc. É pai, os dias são outros, mas os ritmos são os mesmos, acrescentaria ao seu bom gosto musical algumas coisas que ou voce não gostava ou não teve tempo de conhecer, como Led Zepelim, Black Sabath, Bob Dilan, Simon e Garfunkel, James Taylor, Cazuza, Legião, Titãs, Nenhum de Nós, Inocentes, Ira! Racionais MC´s, MVBill, Cyprest Hills, etc.
Diferente de voce, pai, eu gosto muito de ler e às vezes arrisco-me a escrever, ando sempre armado com uma caneta preta e uma folha em branco, vão dando forma às paginas do meu livro imaginário. Gosto muito de ler o poeta Carlos Drummond de Andrade, de um de seus livros extraí pra voce um dos poemas que mais gosto: “só te conheço de retrato, não te conheço de verdade, mas teu sangue bole em meu sangue e sem saber te vivo em mim, e sem saber vou copiando tuas imprevistas maneiras, mais do que isso: teu fremente modo de ser...” Esse é o poema que mais gosto, antepassado é o nome dele, até parece que ele escreveu pensando em nós.
Fredson...

Sunday, November 27, 2005

FULANA


Ontem à noite enquanto voltava pra casa de ônibus, em meio a toda aquela Babel de sons, em meio a tanta gente cinza aos meus olhos, passei, despretensiosamente a observar uma pessoa pelo simples fato do seu silêncio, tão belo quanto um poema do Drummond, tão simples quanto as mais fortes orações. Sua beleza chamava a atenção não pelos traços que a pintura realça, mas justamente pelo contrario, pela sobriedade e pelo estado natural em que ela se encontrava, como um diamante em seu estado bruto. Seus olhos tinham um brilho especial, eles estavam sempre atentos aos eventos que aconteciam tanto dentro quanto fora do ônibus, ela até parecia com uma criança olhando a vidraça de uma loja de brinquedos ou então uma criança que sai a rua pela primeira vez, para quem tudo é novidade, tudo é cor, tudo é saudade de um porvir.
Pela janela do ônibus ela observava OVNI´s, meteoros cadentes ou simplesmente as construções inacabadas que passavam rapidamente, como a lembrança de algo ou alguém que já foi. Algumas vezes ela retirava os fios do cabelo do seu penteado que o vento insistia em não deixar quieto, eu apenas observava de longe esse duelo épico entre o vento e seus cabelos, luta essa em que ela sempre perdia, perdia o combate mas não a beleza espontânea. Incrível, eu pensava comigo, como alguém consegue beleza em um gesto tão banal quanto esse, é parecido com um texto que se escreve sem a menor preensão de agradar a alguém, apenas pelo simples fato de escrever algo que já estava escrito no mundo das idéias como diria Platão.
Por alguns momentos ela ficou parada, por alguns segundos deixou de lado a luta contra o vento, baixou a guarda. Não mais olhou pela janela, até parecia que diante dela, todos se calaram, foi como se algum momento do passado, recente ou não, a tivesse raptado para algum lugar que desconheço, talvez um sonho, talvez um amor, talvez uma aventura, talvez uma desilusão ou talvez nada disso, mas seja o que for, parecia ser alguma coisa boa, pois ela sorria, às vezes levemente, às vezes descontraída e espalhafatosa, e não se incomodava quando “mexiam” com ela perguntando o que estava acontecendo... aquele momento era só dela, aquele lugar, seja em que tempo tenha sido, era seu refúgio no meio de toda aquela celeuma que havia em torno dela. Algumas vezes ela deixava de sorrir e cantarolava uma parte de alguma canção especial pra ela naquele momento, talvez a trilha sonora do filme que se passava dentro dela e que a fez sorrir.
Por uma vez ou outra trocamos olhares, rapidamente, enquanto ela olhava o pessoal ao seu redor, como se checasse se todos estavam ali ou se na ultima parada alguém que ela esperava não entrara naquele ônibus. Observa-la foi um grande exercício de especulações para minha mente: de onde vem? Qual a sua parada? O que pensa? Qual será o nome dela? Penso nisso durante algum tempo e a batizo com o nome de Fulana, como no poema do Drummond, o Mito. Em que ele também tece suas especulações sobre uma figura feminina, assim como eu o faço agora, talvez em um ônibus, talvez não, talvez em um café, talvez não, talvez apenas em sua mente... talvez não. onde quer que seja, Fulana passou a ter vida e identidade próprias, passou a ter vontade, passou a ser o choque entre o desejo e sonho.
Passam-se várias paradas sem que Fulana desça em nenhuma delas, isso era bom porque eu continuava a observá-la à distância, por um momento eu me vi nos braços de fulano, me vi sendo beijado pelos lábios de Fulana, me vi entre as pernas de Fulana, me vi com o gosto de fulana nos lábios: que gosto terá Fulana? Que cor terá a pele nua de Fulana? Como será que ela sente o gozo? Meus pensamentos pecaminosos ou não me fazem amar Fulana de tantas formas e em tantos momentos que talvez fulana não me ame tanto assim...
Embora tenha torcido para que se passasse mais uma parada sem que Fulana descesse, eis que chega o momento e lá se vai Fulana, será que eu estava sonhando com um desejo meu e ele se personificou na figura de uma moça a quem chamei por Fulana? Para onde será que ela vai, para casa? Ou será que ela simplesmente some pelos becos e vielas? Por onde andará Fulana agora? Será que ela vai pra onde vão todas as lendas, sonhos e contos eróticos, para além do horizonte escuro da noite sem fim? Acho que já divaguei demais, por essa noite só me resta lembrar daqueles ombros perfeitos, daquela pela alva, daquele sorriso simples e daquele cheiro que não dá para descrever aqui. Boa noite Fulana, que meus pensamentos, puros ou não, acompanhem-na onde quer que se vá... Essa é a hora em que o poeta cala após dizer: Amém.

Fredson...

JÁ ACONTECEU COM VOCÊ?!!!

Diz o poeta que as canções de amor são iguais porque não existe um outro amor.
As histórias de amor são iguais também, muito embora o que mude seja a sinceridade e a emoção de quem as narra.
Hoje um amigo me contou uma história. Falava-me com lágrimas quase nos olhos, que havia terminado o seu relacionamento que durara quase três anos. Muito embora eu ache que os relacionamentos são como os bons livros que a gente lê: algumas vezes interrompemos a leitura para não terminá-la logo, por não querer chegar ao fim da história ou então muitas vezes por discordar do final que o autor propõe e tentar reescreve-lo, reestruturando um novo encerramento.
Mas como eu dizia antes, o meu amigo passou a me falar de como gostava dela, de como sente falta, mesmo sendo o fato tão recente era visível a angústia em seu olhar desolado, em sua fala pausada, com tom de arrependimento entre uma oração e outra e na falta de alegria no som da sua voz...
Às vezes o homem gosta de contrariar as máximas que ele mesmo cria ao longo da existência. Há uma que diz que “tudo muda, nada permanece inalterado”. Concordo, em parte... tudo muda, menos as histórias de amor. Quem já gostou muito de alguém, sabe que o vazio é grande, a lacuna que fica em nosso peito e em parte de nossa vida quotidiana tende ao infinito, isso sem exagero, sem fazer uso das hipérboles, qualquer amante apaixonado sabe do que falo. Mas por que será que sentimos tal vazio? Será que há benefício em senti-lo? Paixão ou posse?
É interessante observar como as histórias de amor se parecem, desde a sua gênese, em alguns casos meio atrapalhados, meio ao acaso, muito embora não haja nada de acaso nas histórias de amor, tudo é premeditado em se tratando de amor. Se parecem no seu desenvolvimento e no seu inadmissível fim. Digo inadmissível porque no início tudo é pra sempre, mas a máxima diz que tudo que tem um começo, tem um fim, “e o pra sempre, sempre acaba.” Tudo o que nasce está fadado a morrer, é uma lei universal. Após ouvir o relato dele, sem que eu lhe dissesse uma palavra, se passou um filme em minha mente, uma sessão das dez, onde eu via o que já se passou comigo e comparava com o que estava ouvindo e cheguei a conclusão de que tudo era igual, as mesmas síndromes, as mesmas angústias, o mesmo frio no estômago, a mesma ansiedade, os mesmo planos perfeitos. Engraçado como tudo se assemelha até mesmo as lágrimas são iguais a tantas outras que já rolaram ao longo das infinitas histórias de amor, de Heros e Psique a Adão e Eva, de Dante e Beatriz a Romeu e Julieta, de Orfeu e Eurídice a João e Teresa, de mim e ti ao que ainda será escrito.
Igual no desespero da espera, iguais nos diálogos digestivos no sofá da sala, a meia luz, a meio som, iguais a muitos desejos e intenções escritos nos relevos dos corpos ansiosos por mais e mais. Iguais na tristeza e nos carinhos das despedidas que começam no mesmo sofá, cúmplice de tantas situações que não cabem aqui nesse pequeno-longo texto, testemunha de tantas confissões, de tantas declarações, de tantas juras apaixonadas e de tantas promessas, seguindo em via Crucis até o portão. Iguais nos mesmos cuidados após os beijos de despedida, pra falar a verdade, uma das raras palavras que me lembro ter ouvido nesse período de despedidas foi o famoso “te cuida” dito em tom de oração, como quem roga a todas as divindades que protejam aquela pessoa de todos os males.
Iguais nos versos copiados de livros. Nas declarações. Nas juras. Nas músicas que formam a trilha sonora daquela história em construção, quantas vezes não se ouviu uma música que se parece com aquela história em que somos sempre protagonistas, heróis em cavalos brancos, Dom Quixotes a defenderem suas amadas Dulcinéias. Quem diz que já gostou de alguém e diz não ter vivido isso é um mentiroso ou então não gostou direito.
Iguais.
Vez por outra se provoca um pequeno desentendimento, só para colocar um pouco de emoção, criar uma briguinha pra depois reconciliar, a final de contas o melhor das brigas é a reconciliação. São os beijos cada vez mais emocionados, a cumplicidade que aumenta, a comunhão muito mais forte dos planos, e as outras coisas que não se pode falar em público, pois pode haver crianças por perto, se é que me entendem... Comparo essas brigas e desentendimentos como um alinhamento das placas tectônicas que há no interior do planeta provocando tremores e algumas Tsunamis, mas o que mais torna parecido é que logo após os tremores vem a calmaria, a vida volta, as pessoas procuram recuperar o que perderam, algumas choram a partida dos seus entes queridos e outros se solidarizam com a dor do outro ou dos outros.

Acho que as brigas servem como um ajuste entre as duas partes, assim como entre as duas placas tectônicas que utilizei como uma metáfora. Engraçado que algumas vezes se faz necessário se desentender para chegar a um entendimento, discutir para depois chegar a um diálogo, não que a ordem dos fatores via de regra devam ser esses. Mas algumas vezes acontecem assim. Uma mãe só vai saber que alguma coisa está errada com seu filho menor quando ele denuncia através do choro, algumas vezes uma discussão, uma cena de ciúme ou coisa do tipo serve para chamar a atenção, pra dizer que alguma coisa está errada naquele relacionamento e que é melhor parar antes que o barco tome outro rumo.
Então é aí que se pede o famoso tempo, amigo isso machuca, preciso de “tempo pra pensar o nosso relacionamento”, quem nunca ouviu isso, não queira, a sensação é horrível, é como a história do quase, “Ainda pior que a convicção do não, a incerteza do talvez é a desilusão de um "quase". É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou” Sábias palavras do escritor Luis Fernando Veríssimo, o tempo que a gente pede ou dá é como um quase e suas incertezas, pois nesse tempo está encerrado aquela sintomática preocupação com o outro, “em não fazê-lo sofrer”,embora ele já esteja, em desejar que ele fique bem, embora ele já não esteja.
Bem melhor do que todo esse drama, muitas vezes, desnecessário, é a certeza do “não”, do “não dá mais...” vida que segue. Isso poria fim a todo o terrorismo psicológico que aquele que recebe o tempo passa, planejando um reencontro, sonhando com o que irá dizer quando a pena chegar ao seu fim. A aflição que esse tempo traz em si como se fora uma maldição ou uma condenação por um crime muitas vezes não cometido, uma espécie de exílio. O “tempo” é uma condenação covarde, pois quem dá já sabe que não há volta, no entanto retarda a realidade e alimenta uma ilusão que pode ter conseqüências bem piores que dizer a verdade.
Iguais são em todos os seus lamentos, chega a noite em um barzinho qualquer, estão lá os dois amigos sentados, bebendo bobagem e falando sobre alguma mulher, dizendo como ela lhe faz falta, contando como ela era atenciosa e essas coisas que fala toda pessoa arrependida, “o famoso eu não deveria ter agido assim, eu juro que não vou fazer mais isso” promessas feitas a um santo cansado de ouvi-las. Não se lembrando que não há crime perfeito e que quem bate sempre esquece a dor, mas quem apanha deixa guardado o ressentimento e a vontade de dar o “troco”, uma atitude nada cristã, mas nem todo mundo nasceu pra semente.
E a cena patética se repete a pessoa arrependida de ter cometido algum deslize proposital, é culpa do instinto, diz ela, eu não pude evitar, é cômodo achar um culpado pra tudo, difícil é admitir a culpa. E o amigo, fiel confidente e depositário, escuta tudo em silêncio, e após ouvir toda a confissão como se fora um padre a ouvir um fiel em seus pecados, dá o seu veredicto, embora muitas vezes quem fala não queira ouvir, queira apenas falar e ser ouvido, mas como é de praxe falarmos ao ouvirmos, ele diz: tenha calma, ela volta. Como se fosse simples assim, como se a cabeça humana fosse previsível em toda sua complicação...
Iguais no jeito de querer ser um refém do passado, de não querer fugir da gaiola que se criou refém das fotos, dos e-mails, do horário nobre dos casais, das noites frias de chuva, das idas as lanchonetes e sorveterias, das locadoras, dos cinemas, das musicas e shows, de todos os momentos bons que foram criados durante a vida de comunhão.
Iguais em não querer entender que a vida não pára, e que não querer dar a volta por cima é o maior erro que uma pessoa pode querer pra si. Vida que segue. Às vezes acontece de a gente achar que encontrou a pessoa certa e ser um doce engano, a famosa frase “fulana (o) é perfeita pra mim, pretendemos ficar juntos pra sempre” e você já sabe o que acontece com o pra sempre, o pior é que muitas vezes os casais não estão prontos para o futuro do pra sempre. Projetar-se talvez seja o maior erro, e partir em busca da perfeição também, sejamos imediatistas então e aproveitemos ao máximo a vida. Caso não dê certo e o pra sempre acabe antes do previsível, a quantidade de pessoas que existem para ser amadas é infinita, as possibilidades de a gente ser feliz também são infinitas. Afinal de contas nossa matéria prima é o amor, somos pessoas amáveis como disse o poeta Carlos Drummond Andrade, amar se aprende amando... e permitindo que um outro alguém se aproxime e tente amar voce de outra forma de uma forma inesperada.

Fredson...

À MODA ANTIGA

Eu gosto mesmo é de me apegar. É de sentir a outra pessoa em toda sua complexidade; de mergulhar em seu mundo, de enfrentar os seus medos, de estender-lhe as mãos quando necessário, de oferecer-lhe um lenço no momento das lágrimas, de observar os seus detalhes. Observar mas não comentá-los. Para, propositalmente, ouvir aquela frase tão antiga quanto o primeiro casal de namorados: “você não presta a menor atenção em mim”, “não percebe nada diferente, mesmo após eu ter passado horas e horas me arrumando pra você.” “Assim não dá fulano”!!!
O que eu gosto mesmo é do caos que é um relacionamento, de todas aquelas briguinhas por motivos pequenos, não se sabe se por insegurança ou se por pura vontade de quebrar a rotina. Mas não é das brigas que eu gosto, o que gosto mesmo é da volta após algum tempo afastado, pois o melhor das brigas como todos são sabedores é a reconciliação. Cada um tem uma forma diferente de celebrar o retorno da paz ao casal.
Outra coisa boa de se voltar um relacionamento é ouvir a mea-culpa: “eu errei” diante de tal ato de coragem, tornar-se cúmplice e admitir: “A culpa não foi só sua, eu tenho minha parcela de culpa em tudo isso.” Apagam-se as luzes e agora vêm os beijos, os abraços, as carícias e o amor, agora conjugados em todos os tempos e modos.
Eu gosto mesmo é de sentir a falta, de sentir o vazio da espera, a angústia do telefone que não toca, a campainha que não chama, o sono que não vem, a imagem que não sai da cabeça, a música que não para de tocar no rádio e que os lábios não cansam de acompanhar silenciosamente.
Eu gosto é de ir ao cinema junto, de comer pipoca e tomar refrigerante. Gosto de beijar no escuro do cinema quando todos estão atentos ao filme e nós podemos ter nosso momento de privacidade. Gosto de andar de mãos dadas e assim passar muito tempo junto. Gosto de sair pra jantar, de ir a shows, de ligar o meio da noite só pra ouvir o seu sorriso e a sua voz, e saber que está tudo bem com você.
Eu gosto de fazer surpresas, de chegar quando você menos espera, de não ir quando você espera que eu vá, de me fazer de desapercebido diante de datas especiais como o seu aniversário ou o aniversário de nosso namoro. Mas no final é tudo fingimento, só pra vê-la com raiva. Acho que nunca comentei, mas você fica especialmente linda quando com raiva.
À forma tempestiva como mexe no cabelo, à forma já tantas vezes mencionada de como você morde o lábio inferior com o superior, os braços que se cruzam tomando uma postura de um muro, no inicio parece a grande muralha da China, mas com o passar do tempo descubro que não passava de um muro de Berlin e o seu tom de voz que antes dizia “nem vem” agora já acena a paz, mas de repente me interroga: “isso são horas de voce chegar”? “Eu não acredito que voce esqueceu nossa data”
Gosto, também, de ficar olhando você, quando voce não se dá por isso. Cada detalhe, cada idéia, cada desejo, cada sorriso, cada tristeza, cada emoção alegre. À maneira como fica quando vê as crianças perdidas nas ruas. Você é bela sem se dar por isso. Acho que toda a beleza que lhe veste vem do meu coração. Você é um gesto de beleza e de simplicidade, de bondade e se eu pudesse me parecer com alguém, seria com você, pra ver se eu seria um pouco melhor em minhas ações.
Enfim, gosto de lhe escrever cartas em letras de forma e nelas dizer o que não dá tempo dizer com palavras quando estamos juntos. Gosto de tanta coisa em voce que não sei mais por onde terminar essa pequena declaração de amor, pequena porque sei que algo ficou faltando a ser dito. Acho que disse tudo isso por não conseguir dizer apenas que gosto de você, que a quero junto a mim por todo o tempo possível, mas não a quero pra sempre, pois o destino do pra sempre é nos manter afastados quando na verdade o que eu queria dizer era simplesmente que quero você comigo.
Carinhosamente,

Fredson...

CONCELHOS PARA MARIA

Pare. Dê um tempo no que você estiver fazendo, Maria. Desligue o carro, se você for sair de carro, deixe-o na garagem e volte a dormir um pouco mais. Renda-se a preguiça merecida
Quando você acordar e se espreguiçar por longos minutos, saia calmamente do seu quarto, vá até a cozinha e tome o seu café com bastante calma. Você merece. O mundo não vai acabar se você fizer isso, e você não vai perder toda a sua riqueza cotidiana.
Solte-se. Saia do seu trabalho um pouco mais cedo. Vá dar uma volta, aproveitar o resto do dia e vê-lo morrer num belo pôr-do-sol.
Saia da aula. Feche o livro. Hoje você não vai precisar aprender regras e princípios físicos ou químicos, datas, fatos ou tratados filosóficos. Ao invés disso, Maria, vá a sorveteria e se lambuze com um imenso sorvete do seu sabor predileto. Vá ao cinema, comer pipoca, abraçar e beijar. Saia com os amigos, mate a aula antes que ela lhe mate.
Vá beber com os amigos. Discutir com eles Sartre, Marx, Gabriel García Marques, Hermann Hesse, Sócrates, Platão, Jesus Cristo, José Saramago, Bento XVI ou outro louco que esteja disposto a sentar-se metafisicamente em uma mesa de bar com você e seus amigos.
Aproveite para escrever uma poesia sobre a miséria e sobre a humanidade hipócrita que vira o rosto quando lhe vem mendigar por algumas moedas um menino no farol, após lambuzar o pára-brisa do seu novo carro novo. Ou então, que contribui com um quilo de alimento não perecível para a campanha do Natal sem fome, onde os atores universais fazem cara de tristeza e comoção como se estivessem diante de algum fato novo e cospem um jargão que se repete a cada Natal, quem tem fome tem pressa. Pelo menos no Natal os verdadeiros brasileiros ganham status de celebridade e audiência na tv. Globo. Eles Aproveitam para aliviar o seu coração burguês dos “pecados” cometidos ao longo do ano e trocam essa contribuição sincera por quatro existências longe do purgatório.
Use vermelho pelo menos uma vez no mês. Solte o cabelo. Ouça blues, jazz, Rap Latino, samba, Beethoven, Bach, Redblues, B.B King, Mozart, The Doors, Caetano Veloso.
Leia pelo menos uma vez na vida O “Cântico dos Cânticos”, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Trotsky, Dostoievski, Pablo Neruda. Não deixe de assistir ao filme O Carteiro e o Poeta. Leia qualquer coisa, mesmo que seja uma bula de remédio, para que você evite as contra-indicações e angústias que uma boa leitura pode trazer, como por exemplo, fazer-lhe questionar-se “Maria, existirmos, a que será que se destina”?
Se ao acordar você passa de cinco a dez minutos pensando nos problemas da vida, pensando nas contas que você não tem dinheiro pra pagar, ou então fica imaginando como seu dia vai ser igual a tantos outros dias já vividos: trabalho, estudo, casa, trabalho, estudo, casa, e nenhum amor, e nenhuma emoção, tudo se repetindo como um círculo vicioso, mais um capítulo do vale a pena viver de novo. Saiba que esse tempo é em vão, pois as contas vão continuar atrasadas se você não tiver dinheiro para pagá-las, e seu dia só vai ser igual a tantos outros se você não ousar correr riscos e ficar apenas no “se”.
Esse tempo, pode ser o tempo de aprontar uma poesia, Maria. Escreva uma, se achar que não é capaz, tome um trago de café e livre-se das amarras que lhe impede de rabiscar uma página em branco com suas idéias revolucionárias ou não, apaixonadas ou não. Após escrever a poesia, procure alguém que esteja disposto a lê-la ou ouvi-la.
Sinta a angústia da espera por uma opinião a respeito do texto ou da poesia, que acompanha todo aquele que transcreve o que essa mulher dita. Mas uma coisa é imprescindível: que você sinta orgulho do que produzir, a poesia não tolera falsa-modéstia.
Sinta o prazer de um sorriso de auto-ironia. E se o seu ônibus passar, deixe-o ir, sempre vai haver um trem ou um último ônibus das onze.
Se você acordar com uma vontade imensamente estranha de mandar flores pra alguém que você gosta, e estiver pensando se deve fazê-lo ou não, um conselho: arrisque tudo!!!. Prove que você é digno da vida. Sentir medo é natural, o difícil é tentar vencê-lo. Mande as flores, mesmo que a pessoa que as receber ignore o seu gesto. É melhor um desejo realizado a angústia da dúvida, do talvez...
Se tiver gostado muito de um poema que você acabou de ler e queria ter escrito aquele poema para alguém que você gostou ou gosta, copie o poema e entregue, mas se você achar que não vai ficar tão bom quanto o do livro, ou então tiver vergonha da sua letra ou mesmo, estiver medo de cometer erros de português, destaque-o do livro e entregue a pessoa e depois vá embora. Não traga em si remorsos ou sentimentos de culpa pelo que você fez, o poema não pertence ao poeta, a razão de ser do poema é ele encontrar o seu destinatário, aquele que vai dar um sentido ao poema.
Procure caminhar algumas horas por dia. Ande descalço, sinta o prazer do seu pé tocando o chão. Veja a vida em movimento. Perceba a cidade acordando nos rostos, ainda sonolentos dos alunos indo para as fábricas de brinquedos playmobil com suas bolsas enormes nas costas carregadas de livros, enquanto na cabeça só há sonhos.
Observar o proletariado esperando que o patrão venha abrir os portões das galés, esbarrar com os primeiros mendigos lhe pedindo um real pra comprar pão. Para ouvir a Rádio Centro - a rádio que não é rádio - anunciando em suas trombetas o novo dia que se inicia. Ouvir os primeiros gritos de “pode entrar freguês amigos, a calça está na promoção hoje, entre pra dar uma olhadinha”: Ande no meio do povo, converse consigo mesmo e medite sobre tudo o que você ver.
Pegue um ônibus, comece a conversar com a primeira pessoa que sentar ao seu lado, tente puxar assunto, mas se de repente ela chamar a polícia, não se assuste, ela acha que você é algum tipo de louca. Se não quiser correr o risco de ser presa por tentar conversar com alguém que lhe trataria bem melhor em um bate-papo virtual pelo MSN, procure apenas ouvir o que as vozes dizem ao seu redor dentro do ônibus. Tente identificar alguma coisa que não seja reclamação da vida que leva, mergulhe na Babel e tente não se absorvido por ela.
Se estiver se sentindo só, procure os amigos para conversar, para rir um pouco ou mesmo para chorar. Eles existem para isso, são verdadeiros depósitos de mágoas, ou se preferir, trave suas lutas no deserto do seu corpo a sós, com suas dúvidas, dilemas, escolhas, angústias, conte apenas com você mesmo. Mas se achar que não consegue sozinha, grite, alguém vai lhe ouvir e virá em seu socorro, para oferecer-lhe um ombro ou uma palavra amiga, Maria.
Assista a televisão pelo menos uma hora por dia. É sempre bom ver como as coisas não são, e como elas não acontecem. Saber também como são chamados aqueles que lutam pelo que acreditam e pelo que amam, com bandeiras ou não. É sempre bom ver como a vida não é, Globo onde a gente não se vê de forma alguma. Assista às novelas, seja insultada em horário nobre. Veja como toda traição é justificada. Observe como todo esse padrão de sociedade vomitado em horário nobre não passa de mera perfumaria, hipocrisia pura, Maria, não passam de valores burgueses, na prática não valem porra nenhuma. Todos se enrubescem ao ouvir as palavras sexo, orgasmos múltiplos e toda forma de prazer, mas ninguém se indigna ao ouvir as palavras guerra, fome, genocídio, invasão, ódio. Quanta hipocrisia carrega essa “pobre vaidade de carne e osso chamado homem”, Maria, quanta?
Após passar o efeito do anestésico televisivo, olhe ao seu redor e veja como sua vida não é igual a deles: Lá não há dívidas, não há tristeza, não há negros como patrões, não há fome, nunca vi em nenhum capítulo um mendigo pedindo uma “sobrinha de comida” na novela das seis, das sete ou das oito.
Geograficamente, através da novela, a Europa até parece ser bem aí, é só pegar o Brasília, os EUA estão sempre de braços abertos para os brasileiros, desde que sejam Cowboy. Vaqueiro não pode. Ele pode ser confundido com um terrorista terceiro mundista.
Maria ame e ame sempre e cada vez mais. Seja feliz, não desista nunca da felicidade, ela é como uma utopia, você anda dois passos a procura dela, e ela, sarcasticamente, anda quatro a sua frente. Só pra ver se você a quer realmente. Queira Maria, corra os riscos necessários e seja feliz. Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força e um magnetismo indescritíveis.
Viva o real, a vida é tudo, a imagem é nada.
Fredson...
Fredson...

CARTA DE UM SOLDADO EM STALINGRADO PARA ANA



Ana, minha doce Ana, diante de ti eu me confesso. Desço o véu que cobre o meu rosto e deixo que você veja uma lágrima cair e borrar o meu rosto maquiado pelas emoções que não senti. Diante de ti, minha inesquecível Ana, eu me dispo, tiro a roupa da hipocrisia em que estou vestido e volto a ser como fui nos tempos em que o paraíso era bem mais que fumar um baseado.
Tirando o véu e despindo a minha roupa que não é minha eu lhe mostro quem eu realmente sou. Eu nem sei se sou um inconformado; um louco; se um apelo emocional ou mesmo esse complexo. Essa confusão de sentimentos, essa fúria de emoções, de pensamentos inenarráveis, de desejos inconfessáveis, de frustrações. Um eu prestes a explodir nessa guerra cotidiana chamada vida.
Eu sou um homem-bomba, sou homem-esperança, sou homem, Ana. Quando nasci não houve um anjo desses que vivem nas sombras ou na luz dos palcos que me viesse dizer: vai Fredson, ser gauche na vida. Isso eu aprendi a ser sozinho. Disso hoje eu fujo sozinho. Há tempos não há grandes alegrias ou grandes tristezas, ou nada de muito apoteótico em mim, apenas eu, um bloco do eu sozinho. Um eu todo retorcido, todo contorcido, todo cheio de desesperança, de neologismos, de gírias, de revolta, de náusea, lendo a Idade da Razão. Uma figura toda rabiscada, parecendo o desenho de uma criança com giz de cera. Esse eu todo cheio de bifurcações.
Bifurcação entre o certo e o errado, entre a virtude e o delito. Bifurcação entre o céu e o inferno. Entre as margens do rio onde um dia benzeram o Cristo e a sua profundeza desconhecida por todos os fiéis. Há uma linha muito tênue que separa a razão da loucura que há em mim. Pode acreditar em mim quando digo que eu já estive entre os loucos, já corri entre as estrelas, já mergulhei no universo dos teus olhos, já brinquei no céu da tua boca, escrevi com giz de cera o meu nome lá demarcando o meu território.
Trago em mim, mil coisas. Um escapulário e um profano sudário que enxugou o teu rosto depois de me amar. Entre o gozo do vinho e a acidez do limão, os prazeres da carne e a angústia do pecado. A euforia da bebida e tristeza da ressaca. Mas você pode estar se perguntando, Ana, por que esse soldado que vive tão distante, vem se confessar a mim, que sou prostituta? Eu lhe respondo meu amor.
Confesso-me a você por não acreditar mais no que fizeram a minha imaginação criar quando eu era criança. Tão pouco acredito naqueles que se vestem de luto e que vivem da ilusão e do medo alheio. Mas eu acredito em Ana, que me é real, que é acariciável, que tem um cheiro gostoso, tão prazeroso quanto o aroma do café recém-saído do bule, do almoço que acabou de ser colocado no prato, do bolo de milho que acaba de sair do forno. Ana tem nome de santa. Por isso eu sou um pecador, com todo ardor, por desejá-la além das minhas forças, por querê-la além, muito além da poesia, dos gestos, do sexo e do amor.
Confesso-me a Ana porque ela traz entre suas pernas o poder da criação. Por ela me excitar, por ela me ler tão dedicadamente tentando entender o que sou eu, o que quero dizer com isso? Por que ela me faz questionamentos, porque ela me agrada, faz-me viajar na metafísica do desejo distante e do irreal. “Mas o desejo é o que torna o irreal possível”. Ah sim, ela me tira de mim, deixa-me sozinho sem ninguém em mim quando faz preces e combinações da esquerda com a direita, quando sorri, “ei ei”, quando morde o seu lábio superior com o inferior, quando ajeita o decote da sua blusa... Menina só eu sei, as esquinas porque passei só eu sei.
Esquinas. Noites. Tardes vazias. Madrugadas quentes. Insônia que me atormenta. Manhãs que me desilude. Por aí eu ando. Tenho hábitos como qualquer um louco consciente de suas ações. Tenho dúvidas como qualquer lunático: café ou manga? Será que morrerei um dia? Será que na morte eu vou realmente descansar ou vão ficar rezando em meu nome? Será que me tornarão o que não fui à vida toda, o que neguei a vida toda, SANTO! Será que me condenarão a vida eterna?
Tenho loucuras também, nem todos conseguem fugir a regra. Já tentei por milhares de vezes escrever um poema que fosse seu, que cheirasse a você, que tivesse a sua classe. Essa é mais uma tentativa de atingi-la nos olhos.
Tenho muitos sonhos. Mas tenho medo deles, de realizá-los. Complexo? Paradoxo? Loucura apenas (internem esse louco, tragam a camisa de força, ele diz que não existe verdade na tevê nem na Veja). Fujo totalmente à lógica. Não tente me encontrar no universo dos números, sou todo emoção como Maiakovski. Mas vou deixar a conclusão com você que sempre me envolve em silêncio, analisa o que digo e fala o que pensa. Não tenha medo de me magoar, trago em mim várias cicatrizes. Sofri vários ataques e sempre vi o sol nascer na manhã seguinte.
Onde estou vejo sempre muitas pessoas tombando por motivos vários, alguns que não valem à pena, mas somos humanos, fardados ou não, em guerra ou não. Outras pessoas são guerreiras e sempre se levantam e voltam a sorrir. Não quero dizer com isso que seja fácil curar uma ferida, que ela cicatrize rápido, que não exija um pouco de cuidado e carinho. Eu jamais negaria que tudo isso é necessário. Mas com ou sem isso temos de seguir em frente.
Enquanto lhe escrevo, olho para o céu e vejo uma enorme lua brilhando no céu nas retinas dos meus olhos, ela mais parece um favo de mel. Lembro que você gostava de admirar a lua, será que ela nos une agora? Se eu pudesse agora, levar-lhe-ia ao Mar da Tranqüilidade, sentaríamos nas suas margens e eu leria o seu poema favorito, poema de sete faces, cantaria sua música, Mulheres de Atenas. Depois disso faríamos amor até o sol nascer.
Aqui em Stalingrado, eu tenho refletido muito sobre minha vida. Sempre fui um pouco do que eu queria realmente ser e muito do que programaram para que eu fosse. E eu fui ficando naquele intervalo como um vazio. Perdi muitos sonhos. Parte da esperança que tinha no ser humano já foi também.
A esperança que ainda carrego comigo é que ao fim dessa guerra, em que Stalingrado, sou eu, alguém que se chame Ana e que tenha conhecido alguém parecido comigo nos gestos e nos conflitos internos descritos nessa carta, possa encontrá-la dentro do meu bolso e ao lê-la saiba que alguém um dia foi à guerra e pensou nela e que uma Ana foi o alimento e a motivação que fez um certo Fredson acordar para mais um dia de batalha.
Pensava em Ana, rezava para Sant’Ana e pedia que ela com seu sorriso afastasse dele aquele cálice cheio de ódio e sangue, de pessoas mutiladas e de injustiças. Ou então que ela trouxesse a redenção em suas pernas, seios e braços e luxuria e me tirasse daquele lugar... Aos 33 em Stalingrado alguém pensou em você, desejou você, tinha como última angústia amar você, Ana, por mais uma noite. Você é o único cálice do qual ele não queria se afastar jamais...




Fredson...