Sunday, November 27, 2005

FULANA


Ontem à noite enquanto voltava pra casa de ônibus, em meio a toda aquela Babel de sons, em meio a tanta gente cinza aos meus olhos, passei, despretensiosamente a observar uma pessoa pelo simples fato do seu silêncio, tão belo quanto um poema do Drummond, tão simples quanto as mais fortes orações. Sua beleza chamava a atenção não pelos traços que a pintura realça, mas justamente pelo contrario, pela sobriedade e pelo estado natural em que ela se encontrava, como um diamante em seu estado bruto. Seus olhos tinham um brilho especial, eles estavam sempre atentos aos eventos que aconteciam tanto dentro quanto fora do ônibus, ela até parecia com uma criança olhando a vidraça de uma loja de brinquedos ou então uma criança que sai a rua pela primeira vez, para quem tudo é novidade, tudo é cor, tudo é saudade de um porvir.
Pela janela do ônibus ela observava OVNI´s, meteoros cadentes ou simplesmente as construções inacabadas que passavam rapidamente, como a lembrança de algo ou alguém que já foi. Algumas vezes ela retirava os fios do cabelo do seu penteado que o vento insistia em não deixar quieto, eu apenas observava de longe esse duelo épico entre o vento e seus cabelos, luta essa em que ela sempre perdia, perdia o combate mas não a beleza espontânea. Incrível, eu pensava comigo, como alguém consegue beleza em um gesto tão banal quanto esse, é parecido com um texto que se escreve sem a menor preensão de agradar a alguém, apenas pelo simples fato de escrever algo que já estava escrito no mundo das idéias como diria Platão.
Por alguns momentos ela ficou parada, por alguns segundos deixou de lado a luta contra o vento, baixou a guarda. Não mais olhou pela janela, até parecia que diante dela, todos se calaram, foi como se algum momento do passado, recente ou não, a tivesse raptado para algum lugar que desconheço, talvez um sonho, talvez um amor, talvez uma aventura, talvez uma desilusão ou talvez nada disso, mas seja o que for, parecia ser alguma coisa boa, pois ela sorria, às vezes levemente, às vezes descontraída e espalhafatosa, e não se incomodava quando “mexiam” com ela perguntando o que estava acontecendo... aquele momento era só dela, aquele lugar, seja em que tempo tenha sido, era seu refúgio no meio de toda aquela celeuma que havia em torno dela. Algumas vezes ela deixava de sorrir e cantarolava uma parte de alguma canção especial pra ela naquele momento, talvez a trilha sonora do filme que se passava dentro dela e que a fez sorrir.
Por uma vez ou outra trocamos olhares, rapidamente, enquanto ela olhava o pessoal ao seu redor, como se checasse se todos estavam ali ou se na ultima parada alguém que ela esperava não entrara naquele ônibus. Observa-la foi um grande exercício de especulações para minha mente: de onde vem? Qual a sua parada? O que pensa? Qual será o nome dela? Penso nisso durante algum tempo e a batizo com o nome de Fulana, como no poema do Drummond, o Mito. Em que ele também tece suas especulações sobre uma figura feminina, assim como eu o faço agora, talvez em um ônibus, talvez não, talvez em um café, talvez não, talvez apenas em sua mente... talvez não. onde quer que seja, Fulana passou a ter vida e identidade próprias, passou a ter vontade, passou a ser o choque entre o desejo e sonho.
Passam-se várias paradas sem que Fulana desça em nenhuma delas, isso era bom porque eu continuava a observá-la à distância, por um momento eu me vi nos braços de fulano, me vi sendo beijado pelos lábios de Fulana, me vi entre as pernas de Fulana, me vi com o gosto de fulana nos lábios: que gosto terá Fulana? Que cor terá a pele nua de Fulana? Como será que ela sente o gozo? Meus pensamentos pecaminosos ou não me fazem amar Fulana de tantas formas e em tantos momentos que talvez fulana não me ame tanto assim...
Embora tenha torcido para que se passasse mais uma parada sem que Fulana descesse, eis que chega o momento e lá se vai Fulana, será que eu estava sonhando com um desejo meu e ele se personificou na figura de uma moça a quem chamei por Fulana? Para onde será que ela vai, para casa? Ou será que ela simplesmente some pelos becos e vielas? Por onde andará Fulana agora? Será que ela vai pra onde vão todas as lendas, sonhos e contos eróticos, para além do horizonte escuro da noite sem fim? Acho que já divaguei demais, por essa noite só me resta lembrar daqueles ombros perfeitos, daquela pela alva, daquele sorriso simples e daquele cheiro que não dá para descrever aqui. Boa noite Fulana, que meus pensamentos, puros ou não, acompanhem-na onde quer que se vá... Essa é a hora em que o poeta cala após dizer: Amém.

Fredson...

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