Balada do Indeciso
Pra quem anda distraído pelas ruas da cidade, medindo com os olhos a altura dos prédios; analisando através das sacadas a quantidade de alegria e de preguiça que pode haver em uma manhã fria. Observando as pessoas diversas, pessoas estranhas, pessoas parecidas, Pessoas, que lhe dão a medida exata da sua solidão e de sua tristeza, diante de tanta coisa fascinante e estranha, e colorida, e indiferente, e sem raiz... Hoje o dia está tão nublado, acho que vou assoviar por aí, chutar algumas latas, andar por algumas praças, ver as pessoas que tanto gosto de ver, mesmo sem ser visto por elas, e cantar essa Balada do Indeciso.
De quando em quando, gosto de me sentir mais um...ser invisível aos olhos da grande cidade que parece acordada, mas que dorme ao som de sirenes, gritos de socorro, declarações de amor, gemidos, gestos obscenos, piscadelas no calçadão, novela das oito, serenatas à moda antiga, rádios ligados que embalam a alta madrugada, denunciando que alguém acredita no que faz, e que não está só, pois está ouvindo a voz de um estranho através de ondas longas e curtas, ou seja, estão unidos pela mesma fé professada através da AM ou FM.
Nessa grande cidade Grande, que acorda quando dormimos e dorme quando acordamos, ou que não dorme nunca, porque nela não se dorme! É nela que vou andar durante o dia, esperando a noite cair, com a mesma leveza de um lenço que cai no chão à espera de uma mão que o apanhe e sinta o seu cheiro. Vou esperar o dia passar assoviando Beatles, lendo Drummond e Xico, e procurando a pluralidade que talvez exista entre os dois: quem sabe não nasceram para ser Gauches nessa vida. Mesmo que o primeiro seja o Gauche mais conhecido e mais lido. Vou dobrar mais uma esquina como quem vira uma página dum livro, ou dança outro ritmo num mesmo Baile...
Não!, Acho que não quero ser Gauche nessa vida, pois para mim, a poesia é uma grande inutilidade, não concordas Mariana? Veja bem: com ou sem ela o mundo seria tal qual o é, sem mais nem menos. A vida passaria do mesmo jeito, com o seu mesmo ritmo lento ou frenético, depende do lugar em que você descida morar, Mariana. Quanto as pessoa? Bom, elas não seriam melhores ou piores ao sabor das poesias ou filosofias de vida. Elas seriam o que nasceram pra ser, nem mais, nem menos, apenas isso, sua medida exata, seus vinte e um gramas de pura existência sofrível e vivível e amável. Continuariam a esbarrar umas nas outras com a mesma pressa cotidiana. Com a mesma indiferença rotineira. Com o mesmo sorriso aparelhado e burocrático, preso com ligas coloridas, e estampado num rosto que reflete o cinza metálico das grandes cavernas em que nos tornamos...
Ahhh e os casais? Eles se gostariam mais se todos os dias um deles ou quem sabe os dois, contrariando a lógica da vida moderna, recitassem ao invés de uma oração, um poema do Vinicius? Ou será que se (des)gostariam ou se desgastariam da mesma forma se o ritual não fosse realizado? E se não existisse aquela música que faz lembrar daquela pessoa, daquele lugar, daquele momento, daquela carícia, daquelas palavras ditas no calor e na ânsia das coisas impensadas... E se isso, e se aquilo, e se aquilo outro? Será que mesmo sem música, sem flores, ou sem poesia lembraríamos sentiríamos, quereríamos, arrebatar-nos-íamos para os mais distantes e escondidos lugares da lembrança, os mesmos momentos, etc, etc, etc?
Com ou sem essas tolices, as coisas seriam apenas coisas para se carregar, como malas em aeroportos, ou rodoviárias, para quem não descobriu ainda a delícia de voar! A vida teria o mesmo sentido de quando nascemos, o mesmo sentido que terá quando morrermos. E eu que estou escrevendo esse monte de coisas desconexas? Bem, Mariana, eu continuarei assistindo a tudo, e assoviando uma canção, e lendo poesias, amando, e vendo as pessoas se esbarrarem, e rindo delas e de tudo mais que aparecer. Continuarei a ser tolo e gauche, a mandar flores, a recitar poesias a filosofar em mesas de bar, pois eu sou tudo isso, e em nada disso creio e tudo isso faço, por quê? Sei lá, mas é bom, é confortante ser tolo, pois não posso fugir à minha condição de Poeta, mesmo sem querê-lo...
Xico Fredson
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