CARTA PARA SER LIDA!!!
Ouça esse som de trovão que explode lá fora, aqui dentro de mim explode com uma intensidade bem maior. Esse som, representa os meus valores se indo de mim, tudo aquilo que durante anos me fizeram acreditar, como diria Renato Russo, empurraram-nos como enlatados. A explosão, inaudível ao ouvido humano, é de uma nova galáxia em formação.
Tudo agora se passa como se eu voltasse a ser uma criança, como se acabasse de nascer. Agora aprendo a enxergar, não preciso mais de guias, agora aprendo a caminhar, não preciso mais de uma mão pra me levar na direção que ela quiser. Hoje posso escolher meu próprio caminho a ser seguido, acho que me tornei um Lobo da Estepe e como ele, eu percebo que a vida da gente não passa de uma grande mesmice uma grande ilusão que convém a quem a vive, que tudo é recorrente, que tudo se repete, a gente faz tudo igual, agimos e pensamos como robôs globo guiados, ouvimos ou lemos informações e as ruminamos repetindo-as sem fazer a digestão, acho que o xis da questão está exatamente aí, na digestão das coisas.
Não agüento mais esse mundo de mediocridades. Não agüento mais essa vida idealizada, amores televisivos, sentimentos de felicidade vendidos ao vivo, com depoimento e tudo mais que voce quiser ver, o feio e o belo, maniqueísmo puro, basta ligar o zero oitocentos e voce receberá em seu domicilio sem nenhum trabalho. Hipocrisia travestida de solidariedade, o fim da fome? E depois do carnaval, o que vou comer? Não acredito nessa felicidade estampada no rosto das pessoas, esse sol tão dourado não pode ser tão real, deve haver algum programa de auditório ou mesmo alguma droga farmacêutica que produza tudo isso, toda essa euforia diante de catástrofes, de mortes, de crianças largadas nas ruas... quem não fecha a janela ou trava a porta do seu carro diante de um sinal fechado? Quem me diz que isso já não virou uma coisa automática? Quem?
Toda criança é, além de um apelo emocional, um assaltante e um homicida em potencial, pelo menos para nossos olhos carregados de preconceito e do nosso coração revestido por um falso amor ao próximo. Mas que próximo? Quem é o próximo? Aquelas crianças é que não são.
O ser humano deixou de dar o valor real à vida faz tempo. Meu Deus-criança, eu te imploro, traga-me logo a pirula vermelha, a azul já não me satisfaz, ou melhor, já não surte efeito, acho que se o poeta Manuel bandeira ainda fosse vivo, preferiria a pirula vermelha a ir embora para Pasárgada, não quero ser amigo do rei, quero ser amigo do povo, o sangue do povo é vermelho assim como a verdade e não azul-real como o sangue do tolo rei-burguês, que um dia será degolado, meu amor, e todos veremos que não existe sangue azul. A única coisa azul que conheço é a covardia, a fraqueza.
Veja meu amor pela janela da sua casa, aquelas pessoas que vão e que vem, e aquelas que ficam por não ter pra onde ir, veja! São todos zumbis, cadáveres que não sabem o que estão fazendo, suas vidas não têm sentido, pra falar a verdade, viver é tudo que elas não fazem, elas são um programa de repetição animação suspensa, mas afinal, o que é real? Não há sentimento, há apenas o velho e mesmo vazio de sempre, fazem da vida um eterno caos, os que têm alguma coisa, reclamam porque tem pouco, dizendo que Deus não é justo, “a César o que é de César”, os que não têm nada reclamam por não terem o pouco que os outros se reclamam de ter... Conclusão, a vida é uma eterna insatisfação coletiva, e a culpa é sempre de Deus ou pelo menos, ele é o maior bode expiatório da história, culpado por tudo. Há quem ame? Sinceramente eu não sei. Mas se houver, eu pergunto se não há um preço pra todo esse amor, afinal de contas à filantropia morreu junto com Cristo, o que vemos hoje é uma coisa, um rascunho, uma xérox muito mal tirada daquilo que foi o projeto do Verbo, que só existiu, realmente, no principio.
Eu, moça, sou aquele que te assusta por tudo aquilo que falo, por tudo aquilo que critico, por tudo aquilo que escrevo. Eu te assusto pelo homem que sou, pelo verbo lançado no ar, pelo desespero e loucura que sinto e pelo efeito que elas causam em voce. Voce diz que sou estranho e que mexo com voce, causo-lhe sensações esquisitas, que lhe incomodo, enfim, talvez isso seja o que chamam de paixão, já que sou um cego moça, e só vejo luz.
Moça, pela mesma janela que voce admira o luar, o frescor da brisa que vem do mundo, sinta o cheiro do fim no ar. Veja as pessoas as pessoas nas ruas, observe os que dormem nos becos sujos, olhe nos olhos dos que vivem sob o domínio do algol. Eles não têm forças para resistir e sucumbem ao sistema, são homens tocha, homens câncer, homens cirrose, homens Jazes, eles são um adeus cada vez mais próximo, uma despedida que a cada dia torna-se mais evidente...
Veja meu amor, esse é o quadro do novo mundo que se forma diante da tela do seu quarto, e de lá, voce não vê como o mundo é, mas eu lhe amo assim mesmo, não quero convencê-la a tomar a pirula vermelha, quero, antes, que sinta necessidade de fazê-lo, não quero arrancá-la do seu mundo perfeito, não! Seria crueldade demais pra voce, seria um choque muito forte e tenho medo do que poderia resultar disso....
Quero antes, que voce aprenda a ler nos olhos dos desesperados e dos deixados para trás, dos que não foram escolhidos no dia do arrebatamento social, o que é o mundo de verdade, quero que veja, como Sidarta viu, com seus próprios olhos que o mundo é bem maior, mais complexo e mais intenso do que as fronteiras do seu jardim. Quero que se sinta tentada a ganhar o mundo, a pular o muro e seguir em frente, largar o conforto do seu quarto e vir respirar o aroma da vida e vir sentir que o sol brilha mais forte do lado de cá da existência. Aí voce vai ver, como vi um dia, que eu nunca existi de verdade, fui sempre um intervalo entre aquilo que sempre quis ser e o que as circunstâncias me obrigaram a ser e fazer, pra ter essa existência ...
Até então, nada me pesava mais que a existência e o peso do meu corpo. Meu amor, eu vivia como o personagem Demian criado por Hermann Hesse, achando que era um louco por não concordar com a normalidade, pré-estabelecida, das coisas, por não achar que na vida nem tudo faz sentido, por estar sempre a procura de uma resposta para minhas indagações, respostas que fugissem aos clichês, aos jargões e as respostas pré-construidas. A vida não vem com gabarito. Não vem com cinco alternativas para cada problema apresentado. Mas por outro lado, ela admite a relatividade, o que os livros não trazem em suas páginas.
Então, meu amor, eu espero que me entenda e vá com calma, mas comece a movimentar-se, e não esqueça que eu lhe amo e que a escolha é sua...
Fredson...
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