Friday, June 24, 2005

12 de Junho

Juazeiro do Norte, 12 de junho de 2003



Oi Ana,

Já se passaram muitos dias e tu não me respondeste, a ansiedade é tanta que me consome, embora ache que ainda não conseguiste me perdoar por ter-te deixado há tanto tempo, não sei se vai adiantar dizer que éramos jovens e que diferente de mim, você sempre soube o que queria. Esse discurso é antigo, embora verdadeiro...
Sabe Ana, escrever aquela primeira carta foi muito difícil para mim, mas ao mesmo tempo me fez abrir um leque de recordações e minhas lembranças agora mais parecem uns álbuns de fotografias, onde tu apareces sempre sorrindo.
De repente passei a lembrar de coisas pueris como as brincadeiras que tu costumavas fazer comigo. Brincadeiras que embora eu não te revelasse me faziam muito bem e me davam forças para suportar o dia a dia.
As longas despedidas, seguidas de longos beijos ao portão de sua casa antes de dar boa noite. Como era difícil despedirmo-nos ao telefone quando não estávamos juntos, sempre deixávamos a decisão para o outro, e sempre prevalecia o tão comum: “desliga você...”. Interessante como surgiam assuntos para prolongar a conversa um pouco mais, desligar o telefone era como se nosso cordão umbilical fosse partido. Hoje tudo me são apenas uma lembrança de um pretérito-mais-que-perfeito.
Adorava ver-te zangada, tirar-te do sério era meu passatempo predileto e depois ficar a te observar: seu jeito de morder suavemente o lábio inferior, o modo intempestivo e ao mesmo tempo sensual como você passava as mãos nos cabelos e exclamava: -não sei como lhe agradar! Não sabia que me eras perfeita em teus mínimos gestos.
Não esqueço o modo como você silenciava e olhava pra mim. Pareciam longos e indecifráveis períodos em que eu te indagava: -o que há? E tu sempre respondias de uma forma enigmática com um sorriso, não é nada, estou apenas olhando. Será que tu pressentias o que iria acontecer?
Benzinho, ainda lembro que era assim que lhe chamava quando estávamos juntos conversando ou trocando beijos como se naquele momento, trocássemos preces e juras de amor eterno como todo casal faz. Seu aroma, sua suavidade, a maciez do seu corpo, tudo em ti me faz falta, desde o teu modo de me ler com um olhar, até mesmo as brigas fúteis que tínhamos, tu ainda és minha Jackie Tequila, minha Beatriz Russo, minha Maria Lúcia, minha Mônica, minha Eurídice, minha Helena, minha Cleópatra, minha Maria, minha Geni, minha Irene, minha Inês, minha Mina, minha Ana, tu personificas tantas grandes mulheres em tuas qualidades e defeitos, tantas e eu te amo de tantos modos, às vezes com a pureza de uma criança, outras com o mais vil dos desejos, mas nunca deixo de te amar, pois em cada uma dessas personagens, vejo-te, seja pela coragem, pela grande beleza, pelo amor ao próximo, pela inteligência, seja pelo ciúme ou mesmo pela paciência constante.
Ana, defronte ao sobrado em que me encontro há uma pracinha, que se transforma em um palco onde todos os dias a tardinha, os atores começam a assumir seus papéis, interpretam o passado, o futuro e o presente, os atores são amadores na mais ampla concepção da palavra, amam a vida, e todos os dias repetem em cada ato os movimentos mais simples e mais simbólicos da vida.
O passado é personificado como sendo a pessoa dos idosos, sobreviventes de uma batalha chamada vida, cada um com suas mágoas, seus amores e seus sonhos realizados ou não. O papel do futuro é interpretado pelas crianças, que brincam despretensiosas e despreocupadas no parquinho da praça, como se uma imensa redoma os protegessem do bem e do mal, mantendo-os em um estágio natural.
O presente, este papel eu reservei para um casal, é neles que mais me atenho, são minha parte favorita da peça, em sua interpretação não enxergo apenas um casal, vejo antes um sem-número de possibilidades, eles são o que existe entre o alfa e o ômega, eles são a parte inacabada da história, da janela do sobrado leio-os e releio-os construo e reconstruo a história a partir da visão que tenho de suas expressões faciais ou mesmo dos gestos corporais.
É a imagem deles que me arrebata a ti, até nosso passado, nossa história. Quando vivemos tudo aquilo que hoje eles vivem, lembro de como fomos quando adolescentes, de como sonhamos, de como sofremos, de como sorrimos, de como esperamos. Juro, Ana, que queria desafiar o curso da história só por causa do que sinto por você, igual ao super-homem, quando dá inúmeras voltas em torno da terra fazendo-a girar ao contrario mudando assim o acontecimento dos fatos ou como Ulisses que desafiou os deuses para retornar aos braços da doce e fiel Penélope.
Para encerrar mais essa tentativa de entrar em contato contigo, vou te enviar um fragmento de um poema de Drummond que traduz com indescritível exatidão o que sinto e como queria estar ai para te desejar um feliz dia dos namorados, alias quem criou o dia dos namorados não pensou na dor que criou nos solitários: Amor, este é o seu nome. Amor, a descoberta de sentido no absurdo do existir. O real veste nova realidade, a linguagem encontra seu motivo até mesmo nos lances de silêncio, a explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias: não sou eu, sou o outro que em mim procurava um destino. Em outro alguém estou nascendo...


Carinhosamente, Francisco

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